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Eu não saberia responder.

Acho que, na gastronomia, o fundamen-

tal é a

pluralidade

.

Cada um na sua.

Tento entender cada vez mais a fundo as

cozinhas milenares, tradicionais, e os seus

ingredientes.

O meu lado italiano obviamente prepon-

dera no meu paladar, a ponto de não aceitar

cebola crua, o que me afasta totalmente de

qualquer ceviche.

Mas acho bárbaro que

chefs

brasileiros

resgatem sabores locais e os recoloquem

em nossas mesas.

A lista de ‘melhores do mundo’ não leva em

conta a diversidade e, portanto, segrega!?!?

Clássico é visto como velho e, se você

usa terno, então é um dinossauro.

O dia em que eu começar a discutir com

meus

chefs

sobre antropologia, física, quí-

mica ou sexo tântrico, trocarei meus remé-

dios.

Insisto: não há critério possível para a

escolha do

‘melhor restaurante’

, inclusive

porque é bobo querer ser

‘o melhor’

num

universo tão distinto.

Em 2014, o melhor restaurante do mun-

do, segundo a lista, estava na Dinamarca e

os juízes ignoraram o fato dele em 2012 ter

mandado para o hospital 70 pessoas numa

mesma noite e isso não lhe deu nenhuma

penalidade.

Em 2009, o ex-número dois do mundo,

o

Fat Duck

, foi forçado a fechar as portas

pela vigilância sanitária inglesa depois de

um problema de intoxicação alimentar ter

ocorrido com seus clientes.

Em ambos, a causa confirmada foi um

tal de ‘norovirus’, que certamente não fazia

parte do menu.

Acredito que esses restaurantes cuidam

muito bem do armazenamento de suas ma-

térias-primas.

Mas fica a pergunta: não terá sido ex-

cesso de experiências muito mais científi-

cas – que de fato gastronômicas – a causa

da incrível proliferação desses vírus?

Se fosse possível eleger ’o melhor res-

taurante do mundo‘, jamais estaria na Dina-

marca por questão de princípios, ou muito

menos por aqui, por uma questão muito

mais simples: morro de inveja quando entro

num açougue na França, numa peixaria na

Itália, e por aí vai.

Os melhores pratos são sempre com-

postos pelas melhores matérias-primas e,

nisso, estamos muito atrás.

Sinto dizer: os sabores da Amazônia não

satisfazem a todos o tempo todo.

A diversidade gastronômica representa

uma riqueza, mas há certos obstáculos in-

contornáveis.

Muito do que se escreve sobre gastrono-

mia atualmente é sobre essa busca desen-

freada pelo

inusitado

.

Os franceses são os que mais reclamam

sobre a incoerência da lista dos ‘melhores

restaurantes’, pois nela o melhor restauran-

te francês é

o Le Chateaubriand

. Garanto

que nove entre dez pessoas irão concordar

que há pelo menos uns cem melhores do

que ele só na França.

Aliás, no guia

Zagat,

o

Le Chateaubriand

não está sequer entre os 50 restaurantes

preferidos dos parisienses.

Na Itália, o

Corriere della Sera

, o principal

jornal local, comentou a respeito da lista:

“Insisto: não há critério possível para a

escolha do

‘melhor restaurante’

, inclusive

porque é bobo querer ser

o melhor’

num

universo tão distinto.”

LUCIANA PREZIA/LFPRESS

Rogério Fasano, empreendedor de sucesso,

dono do celebrado restaurante

Fasano

.

GASTRONOMIA

‘Meno male’

que temos apenas três no

ran-

king

.

O que é preciso ter é a garantia de que

continuamos a preservar as nossas tradi-

ções e, consequentemente, continuaremos

a comer bem!!!’

Sem dúvida, há de se reconhecer a ge-

nialidade do catalão Ferran Adrià, o precur-

sor dessa inovação, e a colocação da ciên-

cia como fonte na gastronomia (adoraria ter

tido a brilhante ideia de inventar uma colher

toda furadinha para comer

flakes

e só isso

já faz dele um gênio).

Seus livros são obras-primas e o Ferran

é o Pelé dessa turma toda.

O problema grave é essa tendência que

surgiu de elevar

chefs

à categoria de celebri-

dades, tão em voga nos dias de hoje.

Já disse sabiamente Andy Warhol: ‘Se

você não tem seus minutos de glória, você

não é ninguém’, mas todos eles estão exa-

gerando pois não estão se contentando

nem com muitos dias...

Tenho a sensação de que essa ‘escola

de centros de culinária’ criou Robinhos de-

mais, muita firula e pouca bola na rede. E

aí, tenho saudade do jogo clássico, eficiente

e da elegância de Zinedine Zidane, mesmo

com a cabeçada no estúpido Materazzi que

a fez por merecer.

Acredito que a minha profissão está em

extinção.Ou

seja, essa palavra que eu acho

feia,

restaurateur

, como eu, acho que não

mais existirá daqui alguns anos.

A pessoa que, mesmo não sendo um

chef

, que faz da gastronomia sua opção de

vida, que concebe restaurantes a partir do

menu, passando por todas as etapas, não

mais existirá. Mesmo que meus 20 restau-

rantes preferidos no mundo sejam de

res-

taurateurs

, nós estaremos extintos em algu-

mas décadas.

Para quem ainda estiver por aqui, a úni-

ca opção será frequentar restaurantes de

chefs

, onde será obrigatório aplaudir, pois o

estrelismo terá inflado o ego da turma de

um jeito quase infantil.

Tenho certeza de que o restaurante

Fa-

sano

foi o precursor no Brasil da valorização

da profissão.

Nossos

chefs

sempre foram protagonis-

tas e, por isso, posso afirmar que, quando

o mesmo perde a humildade fundamental

na arte de cozinhar e dar prazer, e prefere a

fama

, é hora de mudar de profissão!

Torço para estar errado. Torço para que

aconteça na gastronomia o que ocorreu no

rock

.

Quando diziam que estava superado

o

rock

ter letra, surgiu uma banda como o

Radiohead fazendo uma letra melhor que a

outra, ecoando os melhores momentos de

Pink Floyd, David Bowie, Reed, Clash etc.

Para quem ainda consegue achar, como

eu, que o paladar será sempre, entre os cin-

co sentidos, o fator decisivo de um prato,

e acredita que a cozinha clássica não deve

ser menosprezada mesmo que moderniza-

da, sugiro o último álbum de Leonard Cohen,

que, aos 80 anos, me enchem de esperan-

ça de que as pessoas entendam o quanto

um clássico pode ser absolutamente atual.

Espero que ainda voltemos a ler sobre

gastronomia de maneira mais prazerosa e

menos científica do que tem ocorrido.

Dar

prazer

aos outros é a essência da

profissão.

A começar pelo lavador de pratos, qui-

çá os futuros

chefs

, mas também pelos

garçons, maîtres e s

ommelier

s de amanhã,

pois sem sala boa não há restaurante bom.

Que a busca pela novidade continue,

mas que não se menospreze a história de

países e restaurantes que buscam muito

mais o valor da boa matéria-prima e sua ri-

quíssima história, sem modismos que vão

e vem.

Outro dia ouvi: ‘Rogerio, fique de olho na

Bolívia. Depois do Peru, é a próxima bola

da vez’.

Rindo, respondi: ’O Butch Cassidy tam-

bém caiu nesta e se deu muito mal.’”

Um aspecto do

restaurante

Fasano

.

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C R I ÁT I C A

T U D O S O B R E E C O N O M I A C R I A T I V A

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